O estigma em palavras: Não é verdade que elas não estão mais aqui

Federação Brasileira das Associações de Alzheimer
  • “No Longer Her(e)” que pode ser traduzido para o português como “Não Mais Ela(aqui)”, é o título do projeto de Helen Rimell, fotógrafa e parceira de cuidados de sua mãe, Susan, que vive com demência no País de Gales. A filha vem documentando, por meio de fotos do cotidiano, o declínio cognitivo da mãe. Sem qualquer intenção de julgamento sobre a inciativa que chegou até nós pelas redes sociais e por algumas reportagens, mencionamos o caso para provocar uma reflexão sobre a expressão “ela/ele não está mais aqui”, usada para se referir às pessoas com o diagnóstico de demência.

    • Não adianta fazer nada, ela/ele não está mais aqui. Perdi minha mãe/meu pai.

    Comentários do tipo são comuns, mas consideramos que a expressão reflete uma compreensão limitada e estigmatizante da doença e de quem a vivencia. Tomar esse pensamento como verdade pode sugerir que a pessoa, devido às mudanças cognitivas e de memória, perde sua essência ou identidade, desconsiderando a complexidade da experiência humana e a continuidade da pessoa apesar da condição.

    A demência, em seus vários tipos, incluindo o Alzheimer, é uma doença progressiva que provoca a degeneração do cérebro, levando a dificuldades de memória, raciocínio e comportamento. No entanto, reduzir a identidade de uma pessoa às suas capacidades cognitivas atuais é desumanizante e ignora o fato de que a pessoa continua a ter preferências, emoções, relacionamentos e uma história de vida que permanecem relevantes.

    A estigmatização, como a expressa por frases como “ela/ele não está mais aqui”, pode ter várias consequências negativas, como o isolamento social da pessoa, pois amigos e familiares podem se distanciar, baseando-se na percepção de que a interação não é mais valiosa ou possível. Além disso, essa visão pode influenciar negativamente a qualidade do cuidado prestado, com cuidadores potencialmente priorizando as necessidades físicas sobre as emocionais e psicológicas, subestimando a capacidade da pessoa de experimentar alegria, conforto e conexão.

    Combater a estigmatização exige uma mudança de perspectiva, reconhecendo que pessoas que vivem com demência permanecem seres complexos e dignos, capazes de contribuições significativas e merecedores de respeito e empatia. Isso inclui a promoção de ambientes de cuidado que se concentrem não apenas na gestão dos sintomas, mas também em manter a dignidade, fomentar a inclusão social e proporcionar atividades que possam oferecer prazer e reconhecimento.

    Educar o público sobre o tema e desafiar os estereótipos associados à doença são passos essenciais para mudar a narrativa da condição. Por meio da conscientização e do apoio, podemos construir uma sociedade mais inclusiva que reconhece que, mesmo enfrentando desafios e desvantagens, as pessoas que vivem com Alzheimer e outras demências “estão aqui”, com identidades e histórias e necessidades que continuam a merecer reconhecimento e valorização.

    Comunicação nas diferentes fases da doença

    Comunicar-se com uma pessoa com Alzheimer em estágios mais adiantados da doença pode ser difícil, mas existem abordagens que facilitam a interação e a manutenção do vínculo. Temos algumas sugestões:

    Use comunicação não verbal

    Gestos, contato visual, toque gentil e sorrisos podem transmitir afeto e reconhecimento mesmo quando as palavras falham. A comunicação não verbal é poderosa, acredite.

    Simplifique a linguagem

    Use frases curtas, simples e diretas. Evite perguntas complexas que requerem decisões ou recordações detalhadas. Dê tempo para que a pessoa processe suas palavras e responda.

    Mantenha um tom calmo e paciente

    Fale devagar e claramente, mantendo um tom de voz suave e encorajador. A paciência é fundamental, pois a pessoa pode precisar de mais tempo para compreender e responder.

    Evite corrigir constantemente

    Se a pessoa com Alzheimer cometer erros ou confusões ao falar, não a corrija constantemente. Isso pode causar frustração ou constrangimento. Em vez disso, foque na essência do que ela está tentando comunicar.

    Não pergunte se ela se lembra

    Em vez de pedir que a pessoa se lembre de eventos ou pessoas (o que pode ser frustrante para ela), compartilhe suas próprias memórias ou fale sobre o presente. Isso pode reduzir a pressão sobre a pessoa para lembrar.

    Interaja por meio de atividades

    Às vezes, realizar atividades juntos pode ser uma forma de comunicação. Atividades simples, como ouvir música, folhear um álbum de fotos ou caminhar, podem proporcionar conforto e oportunidades para interação não verbal.

    Crie um ambiente tranquilo

    Reduza distrações do ambiente, como TV alta ou muitas pessoas falando ao mesmo tempo, para tornar mais fácil para a pessoa se concentrar na comunicação.

    Esteja presente

    Mesmo quando a comunicação se torna difícil, apenas estar presente, oferecendo suporte emocional e físico, pode ser muito reconfortante para a pessoa.

    Ajuste suas expectativas

    Reconheça que a comunicação pode não ser como antes e ajuste suas expectativas de acordo. Celebrar pequenas conquistas e momentos de conexão já é muito valioso.

    Busque suporte profissional

    Profissionais de saúde especializados em demência podem oferecer orientações e estratégias específicas para lidar com desafios de comunicação e comportamento.

    Lembre-se que cada pessoa é única e o que funciona para uma pode não funcionar para outra. Observar e aprender o que repercute positivamente no outro é o que ajuda a manter um relacionamento afetuoso e próximo.