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A apreciação final do Projeto de Lei 4.364/2020, que visa estabelecer a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, está perto de se realizar na Câmara dos Deputados. Por unanimidade foi aprovado, na noite desta terça-feira (16 de abril), regime de urgência para a tramitação do PL.
Este projeto de lei, originado no Senado Federal pela iniciativa do Senador Paulo Paim (PT/RS), e aguardando deliberação desde novembro de 2021, representa uma resposta direta às necessidades críticas apontadas no Manifesto pelos Direitos das Pessoas que vivem com Demência, Parceiros e Parceiras de Cuidados publicado pela Febraz em maio de 2023, como resultado da participação do Brasil no projeto STRiDE, e identificadas pelo Relatório Nacional sobre as Demências no Brasil (Renade). Ambos revelam um quadro alarmante: estima-se que apenas 20% dos cerca de 2 milhões de brasileiros que vivem com demências estão atualmente recebendo tratamento adequado, uma realidade que necessita de mudança urgente.
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Para a presidente da Febraz, dra. Elaine Mateus, a aprovação do pedido de urgência na votação do PL é uma resposta concreta do Brasil às demências. “Nossa expectativa é que a Lei seja aprovada ainda neste primeiro semestre e que, a partir de então, seja formada uma comissão interministerial, com a participação central de lideranças e da sociedade civil organizada para a construção de um Estatuto que garanta atenção e cuidado integral a pessoas que vivem com demência e seus familiares, com diretrizes que assegurem direitos plenos e linhas de cuidado eficazes”,
A importância da participação social
A inclusão deste projeto na pauta é resultado de um esforço contínuo de mobilização por parte de entidades como a Febraz e outras que atuam em defesa dos direitos da população afetada pelas demências. É um momento para reconhecer a importância da advocacia e do diálogo contínuo com os legisladores para garantir que as necessidades dessas pessoas não sejam ignoradas.
Este movimento também destaca a crescente conscientização e compromisso dos nossos legisladores com o envelhecimento da população brasileira, projetado para alcançar 6 milhões de casos de demência até 2050. O Plano Nacional em Demências é essencial não só para proporcionar um melhor diagnóstico e tratamento mas também para apoiar os cuidadores informais, que suportam a maior parte dos custos associados ao cuidado.
Agora, mais do que nunca, é essencial que continuemos a pressionar e a educar sobre a importância deste projeto de lei. Sua aprovação é mais um passo não só para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com demência e de seus familiares mas também estabelecer um precedente para políticas de saúde pública que atendam às necessidades da população brasileira.
Entrevista com Dr. Leandro Minozzo
Para ajudar a compreender melhor o contexto atual e a importância da aprovação do Plano Nacional em Demências, conversamos com o geriatra gaúcho Leandro Minozzo, reconhecido como um dos principais estudiosos em políticas públicas para Alzheimer.
O senhor poderia nos explicar o que significa o regime de urgência para o PL 4.364/2020 aprovado na Câmara dos Deputados? Quais são os próximos passos na tramitação?
Dr. Leandro Minozzo – O regime de urgência aprovado ontem coloca o PL entre os prioritários para votação no Plenário da Câmara. Como houve a aprovação, e ainda por unanimidade, espera-se que o texto seja votado no seu mérito já nas próximas sessões. Automaticamente, a partir de ontem, ele entrou na Ordem do Dia.
Por que a aprovação deste projeto de lei é tão importante para o Brasil no contexto atual de cuidado às demências?
Dr. Leandro Minozzo – A aprovação do projeto de lei e a sanção presidencial criarão um importante marco no cuidado das pessoas com demências e suas famílias, uma vez que haverá o compromisso do Estado em melhorar a situação atual, seguindo princípios relacionados às melhores práticas, à equidade e ao que a OMS recomenda.
Quais são os pontos críticos que o PL 4.364/2020 aborda para transformar o cuidado em demências no Brasil?
Dr. Leandro Minozzo – Em primeiro lugar é tirar da invisibilidade essa crise social que pelo menos 2,4 milhões de pessoas enfrentam. Além disso, o cuidado ampliado para a prevenção, diagnóstico em tempo adequado, cuidados pós-diagnóstico, preparação dos profissionais de saúde e, o que é importante, a atenção para os familiares. Outro ponto que considero relevante nesse PL é a mudança na Lei do Sistema Único de Assistência Social (LOAS), que colocará as pessoas idosas em vulnerabilidade que residem em Instituições de Longa Permanência (lares geriátricos) como um grupo prioritário na assistência. A maioria delas tem demências e, através dessa lei, terão um olhar mais atento para preservar ou resgatar sua dignidade.
Quais são suas expectativas para o futuro do cuidado em demências no Brasil com a possível aprovação deste projeto de lei?
Dr. Leandro Minozzo – A expectativa maior é que o Governo Federal convide entidades e lideranças para uma rodada de conversas objetiva e propositiva para que rapidamente se possa começar com um Plano Nacional de Demências. Há já pesquisas mostrando os problemas, há também os caminhos apontados pela OMS, portanto, minha expectativa é que o Governo atual tenha essa percepção de convidar as entidades para começar com rapidez. Quem sabe, o Brasil começará 2025 já com um plano em andamento, cumprindo a promessa feita para a OMS.
Anteriormente, o Ministério da Saúde alegou que a criação de políticas específicas para demências não é competência do Governo Federal. Além disso as demências não foram incluídas no Plano Nacional de Saúde. Em que medida isso prejudica a implementação do Projeto de Lei, caso seja aprovado?
Dr. Leandro Minozzo – A causa das pessoas idosas e, em especial das demências, carece de maior atenção do poder público. Achei um equívoco não terem incluído no Plano Nacional de Saúde o cuidado de demências. A aprovação da lei, no entanto, virá para colocar o Estado no compromisso de agir. Aqui no Rio Grande do Sul, o caminho que nos trouxe atualmente para o PECID (Plano Estadual de Cuidado Integral em Demências) foi bastante parecido: a sociedade civil apresentou o PL, ele tramitou e foi aprovado pelo governador Eduardo Leite e a política começou a andar. Acredito que o PL em votação na Câmara terá essa mesma função: aglutinar forças e mostrar para o Governo que é necessário e possível cuidar melhor dessas pessoas.
Leandro Minozzo é médico geriatra, professor de medicina da Universidade FEEVALE, membro da ABRAz, autor dos livros “Doença de Alzheimer: Como se Prevenir” (AGE, 2013), “Como Enfrentar o Alzheimer e Outras Demências: um Guia para a Construção de Políticas Públicas no Brasil” (Alzheimer360, 2018) e “Como Cuidar de Um Familiar com Alzheimer e Não Adoecer” (Sulina, 2022).