Pessoas com demência não recebem cuidados pós-diagnóstico adequados

Federação Brasileira das Associações de Alzheimer
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  • Atualmente, quase 2 milhões de pessoas vivem com demência no Brasil, um número previsto para chegar a quase 6 milhões até 2050;
  • Especialistas e entidades em demência pedem que cuidados após o diagnóstico sejam reconhecidos como um direito humano;
  • O planejamento do tratamento, cuidado e apoio pós-diagnóstico de demência é vital para melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência e para aqueles que realizam os cuidados;
  • A ADI – Alzheimer’s Disease International e a Febraz – Federação Brasileira das Associações de Alzheimer convocam os governos a implementar planos robustos de cuidados pós-diagnóstico no planejamento nacional de demência.

Em resposta a novos dados que mostram que, assustadoramente, até 85% das mais de 55 milhões de pessoas que vivem com demência no mundo, podem não estar recebendo cuidados pós-diagnóstico adequados, especialistas em demência e líderes mundiais estão pedindo que o cuidado, o tratamento e o apoio pós-diagnóstico de demência sejam reconhecidos como um direito humano.

 

A ADI – Alzheimer’s Disease International, federação internacional de 105 associações de Alzheimer e demência em todo o mundo, lança hoje (21/09) o Relatório Mundial de Alzheimer 2022 – Vida após o diagnóstico: Navegando pelo tratamento, cuidado e apoio, em co-autoria com a Universidade McGill, do Canadá.

 

O relatório foca na necessidade urgente de melhorias significativas nos serviços essenciais de tratamento pós-diagnóstico, assistência e apoio para as mais de 55 milhões de pessoas que vivem com demência em todo o mundo e planos robustos para apoiar a previsão de 139 milhões de pessoas até 2050.

 

O cuidado, o tratamento e o apoio pós-diagnóstico referem-se a múltiplas intervenções que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com demência, incluindo tratamentos farmacológicos e não farmacológicos, cuidados, acesso à saúde, apoio a atividades cotidianas, adaptações domiciliares, inclusão social e descanso.

 

“Não questionamos se pessoas com câncer precisam de tratamento, então por que quando as pessoas recebem um diagnóstico de demência, muitas vezes não recebem tratamento ou cuidado? Repetidamente, eles são apenas orientados a colocar seus assuntos de fim de vida em ordem”, diz Paola Barbarino, CEO da ADI. “Juntamente com a melhoria das taxas de diagnóstico, os cuidados com a demência pós-diagnóstico devem ser reconhecidos como um direito humano.”

 

“Embora a demência ainda não tenha uma ‘cura’ modificadora de doenças, há evidências claras que demonstram que o tratamento, o cuidado e o apoio adequados ao pós-diagnóstico melhoram significativamente a qualidade de vida das pessoas que vivem com essa doença, permitindo que muitos mantenham a independência por mais tempo.”

 

A pressão sobre os sistemas globais de saúde durante a pandemia agravou ainda mais a capacidade dos profissionais de saúde de fornecer tratamento, cuidado e apoio adequados para as pessoas que vivem com demência.

 

Segundo Elaine Mateus, Presidente da Febraz: “O Brasil precisa dar respostas efetivas e rápidas às demandas impostas pela doença de Alzheimer e outras demências que afetam cerca de 1,8 milhão de pessoas no país, além de familiares e da sociedade como um todo. É urgente investir em programas que vão desde a redução dos fatores de risco, passando pelo diagnóstico em tempo e pós-diagnóstico adequado. Existe vida após o diagnóstico e esta deve ser de qualidade, garantindo às pessoas linhas de cuidado específicas – o que ainda é praticamente inexistente no Brasil”.

 

Estudo recente publicado pela Veja Saúde indica que, mesmo após a confirmação do diagnóstico de Alzheimer, ainda faltam explicações e orientações sobre a evolução do quadro e as alternativas de tratamento, em especial, aqueles não farmacológicos, causando insegurança aos familiares que realizam os cuidados. “Por se tratar de uma doença cujo acompanhamento, em muitos casos, excede o período de dez anos, médicos, médicas e profissionais da saúde precisam gerenciar o planejamento terapêutico, além de considerarem adaptações necessárias em cada etapa da demência. Isso requer melhor formação, mais investimento e opções de suporte pós diagnóstico”, afirma Mateus.

 

Deborah Oliveira, enfermeira e pesquisadora em demência e cuidados de longa duração, reforça: “O Brasil ainda precisa melhorar muito no apoio e cuidado pós diagnóstico às pessoas que vivem com demência e suas famílias. A falta de investimento nesta área demonstra um forte estigma estrutural existente por parte dos sistemas de saúde e atenção social, já que muitos profissionais e tomadores de decisão ainda crêem erroneamente que nada pode ser feito para ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com esta condição. Como consequência, toda responsabilidade e custos do cuidado recaem injustamente sobre as famílias, e as pessoas que vivem com demência têm seus direitos humanos e cidadania diariamente negados. É urgente que políticas públicas sejam criadas e que serviços de qualidade sejam implementados a fim de responder a esta crescente demanda.”

 

Barbarino diz que ela é simpática à pressão que os profissionais de saúde estão sofrendo, e os governos devem investir para apoiá-los, pois o mundo não pode se dar ao luxo de deixar o tratamento de demência pós-diagnóstico cair no esquecimento.

 

“Globalmente, os médicos são tanto subeducados em demência quanto sem recursos para fornecer cuidados adequados ao pós-diagnóstico para pessoas que vivem com demência”, diz Barbarino. “Cabe aos governos reforçar seus sistemas de saúde para que seja possível que os profissionais de saúde forneçam um atendimento de qualidade que as pessoas que vivem com demência precisam desesperadamente.”

 

As Nações Unidas já reconhecem a demência como uma deficiência e, como parte do apelo da ADI e da Febraz para que o cuidado pós-diagnóstico seja reconhecido como um direito humano, eles estão convocando os governos de todo o mundo a incorporar o cuidado pós-diagnóstico em seu planejamento nacional de demência.

 

A ADI e a Febraz recomendam que um primeiro passo que os governos podem dar deve ser comprometer-se a identificar um ‘navegador’ treinado para atuar como ligação para uma pessoa recém-diagnosticada com demência, para permitir que eles se conectem e se envolvam com os suportes e serviços vitais de que precisam.

 

“Melhora muito a qualidade de vida de uma pessoa com demência se tiver acesso claro aos recursos de saúde, cuidados, informações, conselhos, apoio e, principalmente, adaptações e ajustes de vida”, diz Barbarino. “Garantir que esses navegadores possam agir como um único ponto de contato para as pessoas que vivem com demência pode ser a chave para ajudar a navegar nesta jornada incrivelmente complexa”

 

Celia de Oliveira, diagnosticada com Alzheimer há cerca de 10 anos, nos diz claramente por que há necessidade de um planejamento imediato de cuidados pós-diagnóstico baseado em uma luta muito comum.  

 

“Diagnóstico correto, medicamentos para diminuir e desacelerar os sintomas, combater preconceitos e obter informações para ajudar quem se encontra no limbo. Alzheimer, quanto antes souber mais tempo terá para lembrar e viver. Eu convivo e luto. É meio complicado falar disso, é meio triste também, porque a importância do apoio, do tratamento e do cuidado, tudo passa por não depender só de quem é diagnosticado, depende das pessoas em volta, dos médicos e do lugar onde você é tratado. 

 

Eu dei sorte, porque, após dois anos tentando que alguém acreditasse que eu não estava bem, consegui o diagnóstico numa junta médica com especialistas e muitos exames. Mas a família veio a não acreditar, não aceitar, então fui levada a outros médicos, em São Paulo, e eu consegui o mesmo diagnóstico, e assim levada ao hospital das clínicas, no setor de Neurologia e lá eu comecei o tratamento. 

 

Acredito que essa parte foi muito importante, e vejo que outras pessoas não tem isso. O tratamento se iniciou de uma forma muito séria, porque a família e as pessoas em volta se empenharam em me ajudar e em estar comigo. Mas, quando o tempo vai passando, as pessoas vão se acostumando e você também evita de contar o que está acontecendo de errado, por que você às vezes nem lembra ou acha até melhor não falar e a parte do descrédito começa a ficar mais séria.”

 

Para Mateus, “a demência não é uma condição de um indivíduo, mas, sim, uma questão de saúde pública que afeta toda a sociedade. O trabalho de gerenciamento precisa de uma força-tarefa que agregue entidades do setor público, privado, bem como do terceiro setor. As Associações de Alzheimer e as Instituições de Ensino Superior têm papel central nesse processo. São como as bússolas. Juntos, podemos muito mais!”  

 

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