Desenvolver nossa habilidade de comunicação é um desafio diário, seja em casa ou no trabalho. Quando nos relacionamos com alguém que vive com demência, o entendimento se torna ainda mais complexo se não soubermos compreender a doença e adaptar a nossa forma de falar e agir. O livro Comunicação com ternura: Estratégias para melhorar o cuidado de pessoas com demência através da linguagem, do geriatra Leandro Minozzo, nos guia nesse aprendizado.
A leitura da obra aumenta a compreensão sobre a evolução da doença, ensina a reconhecer sinais de depressão e outros problemas de saúde. De maneira simples e prática, com exemplos, o autor revela como a fala, o gestual e comportamentos adotados, muitas vezes na melhor das intenções, podem provocar mais confusão e crises.
O livro traz sugestões de como agir em diversas situações comuns e geralmente estressantes na rotina do cuidado. Por exemplo, o que fazer quando a pessoa repete a mesma pergunta muitas vezes; o que dizer nos momentos de crise provocadas por delírios; como ajudar quando a pessoa não reconhece o próprio quarto e pede pra voltar pra casa; ou quando não quer tomar banho.
A presidente da Febraz, Elaine Mateus, escreveu no prefácio que o livro compartilha estratégias que podem assegurar melhor qualidade de vida para a pessoa que está sob cuidados, mas principalmente para quem cuida. “A vida com a doença de Alzheimer ou outro distúrbio cognitivo traz novos desafios para quem recebe o diagnóstico em também, para toda a família. Os processos de aceitação e aprendizagem exigem energia emocional e muita resiliência. Ao mesmo tempo, abordar essa condição de maneira positiva, facilita a jornada, permite construir novos afetos e restabelecer vínculos perdidos na agitação do cotidiano”, resume.
O livro de 120 páginas, publicado pela Editora Sulina, está disponível na versão física e digital, veja aqui. Agora acompanhe a nossa conversa com o Dr. Leandro Minozzo para saber mais.
Entrevista com o geriatra Dr. Leandro Minozzo
Qual é o valor da boa comunicação para o cuidado de qualidade?
Dr. Leandro Minozzo – Ao longo de 15 anos atendendo pessoas que vivem com demência e seus familiares, ficou bastante claro para mim que a comunicação é um dos pilares do bem-estar de todos. As famílias que passaram a adaptar a forma de se comunicar, conseguiram preservar a paz e melhoraram o convívio com a pessoa com problemas de memória. No livro, destaco a comunicação adaptada como um verdadeira chave, um recurso para ajudar em momentos tranquilos e, especialmente, nos mais delicados.
A comunicação adaptada é elemento fundamental das abordagens não-farmacológicas no cuidado em demências – não vejo como cuidarmos bem, sem nos comunicarmos com ternura.
Por que falhamos tanto nessa comunicação?
Dr. Leandro Minozzo – As pessoas no geral acham que as demências, em especial a doença de Alzheimer, afetam apenas a memória recente. No entanto, a capacidade de linguagem fica também prejudicada. Isso significa que o familiar passa a entender as coisas de uma maneira mais lenta e, no caminho inverso, fica para ele mais complicada a elaboração das respostas aos estímulos. Quando essa limitação não é reconhecida pelos familiares ou profissionais do cuidado, os problemas tendem a surgir. A falha vem, principalmente, por essa falta de conhecimento sobre a doença e de como ela avança.
Quais são os erros mais comuns que cometemos?
Dr. Leandro Minozzo – O primeiro deles é cobrar muito, acreditando que através de cobranças a pessoa com demência vai “pegar no tranco”. É um erro bem comum mesmo. Geralmente, além de não funcionar, isso gera desconforto, irritação e até mesmo tristeza (em todos envolvidos). Outros erros frequentes na comunicação são: falar alto antes de tentar falar mais lentamente e olhando de frente pra pessoa; fazer muitas perguntas ao mesmo tempo; corrigir o tempo todo; jogar na cara que a pessoa tem uma doença e por isso não pode mais realizar determinada tarefa; entre outros erros que envolvem justamente ignorar que a linguagem precisa ser adaptada.
Como adaptar a comunicação?
Dr. Leandro Minozzo – Para conseguirmos que a família adapte a comunicação, algumas etapas anteriores precisam ser trilhadas ou “resolvidas”. É preciso superar a fase da negação, assim como aprender sobre o que são as demências. Por isso, cursos de boa qualidade e frequentar grupos de apoio são tão importantes. A adaptação da comunicação em si passa pelo conteúdo do que é dito (uso de palavras de mais fácil compreensão, perguntas mais fechadas do que abertas, abordagem de sentimentos, foco em orientação no tempo e no espaço) e pela forma (posicionamento ao se comunicar, tom de voz, ritmo de palavras, expressões faciais e corporais e uso de tecnologias simples, como bilhetes, quadros e imagens).
Que benefícios podemos alcançar com a comunicação adaptada?
Dr. Leandro Minozzo – A comunicação adaptada em demências possibilita que o ambiente fique mais tranquilo e que a pessoa que vive com demência seja menos exposta a situações estressantes e, ao mesmo tempo, se sinta acolhida, ouvida e compreendida. Quando um cuidador consegue se comunicar de maneira assertiva e humanizada, sua sobrecarga também diminui. Até mesmo o sentimento de culpa após uma discussão desnecessária ou o uso de tom de voz mais ríspido é reduzido quando se decide por aprender a se comunicar de forma diferente. Um ponto importante que envolve riscos e benefícios da comunicação em demência é que ela está sempre relacionada como gatilho para alteração comportamental e psicológica de pessoas que vivem com demência. Cerca de 90%, ou seja, a maioria, vai apresentar alguma alteração importante de comportamento e, muitas vezes, elas são precipitadas ou pioradas justamente por erros de comunicação.
Quando a comunicação começa a ficar mais difícil na jornada do Alzheimer?
Dr. Leandro Minozzo – Em muitos casos, ela já se torna complicada no estágio leve, quando mudanças na rotina são necessárias, como a supervisão para tarefas simples. Esse embate entre autonomia x segurança é foco de problemas de comunicação já nas fases iniciais. Quando a família opta pelo pacto do silêncio – que abordo no livro -, que é não contar para o familiar que ele tem uma doença e já tem um diagnóstico, a comunicação pode ficar ainda mais complicada ainda nessas fases. Com o passar dos anos, em especial na transição da fase leve para a moderada, os problemas de comunicação se intensificam. O problema é que, em paralelo, o estresse do cuidador também passa a ficar mais presente, dificuldade as adaptações necessárias na comunicação. Na minha opinião, é nessa fase que os maiores problemas de comunicação acontecem.
Para quem o livro pode ser útil?
Dr. Leandro Minozzo – O livro foi escrito de coração e com o intuito de que as pessoas sofram menos e consigam aproveitar melhor a vida, apesar dos desafios que as demências impõem. Ele é voltado para familiares, para cuidadores profissionais e profissionais de saúde.
Como o apoio da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer e da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia influenciou ou contribuiu para o desenvolvimento do seu livro?
Dr. Leandro Minozzo – Eu fico muito feliz e honrado com o apoio que recebi da Dra. Elaine Mateus, presidente da FEBRAZ, na publicação do livro. Ela é uma das grandes líderes do cuidado em demências no país, tem uma história muito marcante de cuidado com sua mãe e à frente do Instituto Não Me Esqueças, e, além de tudo, é professora universitária de Linguística. Quando alguém com a bagagem de vida e técnica como a dela escreve o prefácio e apoia um livro, isso motiva muito o escritor. Da mesma forma, o apoio do Dr. Marco Túlio Cintra, presidente da SBGG, me deu forças e representa o quanto a geriatria unida tem a contribuir para nossa sociedade.
**Leandro Minozzo é Médico Geriatra com Título de Especialista pela SBGG/AMB. Título de Especialista em Nutrologia pela ABRAN/AMB. Mestre em Educação. Pós-MBA em Liderança. Professor das cadeiras de Espiritualidade e Medicina e de Geriatria da Universidade Feevale. É um dos coordenadores da Conade (Coalizão Nacional em Demências) e autor dos livros Um novo envelhecer: tempo de ser feliz (2013), Doença de Alzheimer: como se prevenir (2013), Em busca do sentido da vida na terceira idade (2014), O estresse do cuidador de pessoas com Alzheimer (2015) e Como enfrentar o Alzheimer e outras demências (2019). E-mail: **leandrominozzo@gmail.com