4 de Junho: Lei Nacional de Alzheimer Completa 1 Ano

Federação Brasileira das Associações de Alzheimer

Carta ao Ministro Dr. Alexandre Padilha,

Estimado colega, parabenizo-o pelos avanços recentes frente ao Ministério da Saúde, especialmente pelo novo programa “Agora Tem Especialistas” – um conjunto de ações importantes para superarmos gargalos no cuidado de pessoas que sofrem por doenças crônicas e falta de acesso a profissionais e exames especializados. Fantástico!

Ministro, há 1 ano foi sancionada a Lei 14.878, que instituiu a Política Nacional de Cuidado Integral à Doença de Alzheimer e outras Demências, de autoria do nosso amigo em comum, Senador Paulo Paim. A sanção, com certeza, foi um marco e comoveu todos aqueles da sociedade civil que lutam para melhorar as condições de vida de 2,7 milhões de brasileiros que vivem com demência e de suas famílias. Foi um momento muito significativo!

A Lei aborda aspectos importantes, como direito ao diagnóstico em tempo adequado, abordagem através da atenção primária, atenção ao cuidador, foco em prevenção e uso da Medicina Baseada em Evidências. Além disso, traz o olhar para as pessoas idosas vulneráveis que residem em instituição de longa permanência. Provavelmente, temos umas das leis de demência mais bem estruturadas em todo o mundo e que veio para tentar diminuir o sofrimento de muitas pessoas.

Segundo o Relatório Nacional de Demências (ReNaDe), elaborado para o Ministério da Saúde via PRO-ADI SUS em parceria com o Hospital Alemão Osvaldo Cruz, o Brasil cuida muito mal das pessoas e das famílias com comprometimento cognitivo. Coordenado pela Dra. Cleusa Ferri, o ReNaDe mostrou que 80% dos casos de demência no país não tiveram o que considero o mínimo em termos de dignidade: o diagnóstico adequado.

O mesmo documento expõe uma verdadeira crise e insuficiência na forma como cuidamos das pessoas com transtorno cognitivo e de seus familiares: praticamente um abandono, beirando o descaso. Além do impacto na dignidade e na qualidade de vida, as demências custam cerca de 150 bilhões de reais por ano, sobrecarregando famílias e o sistema de saúde, conforme documento recente da ABRAz. O que não faltam são números e argumentos para caracterizar o cenário como uma verdadeira crise de saúde pública.

Algo precisa ser feito. Estamos parados.

O Brasil, em 2017, foi signatário do Pacto de Ação Global para Demências da OMS, assumindo o compromisso de implantar uma política pública organizada na forma de um Plano Nacional de Demências até 2025. Apesar do avanço legal do ano passado, ainda não conseguimos iniciar a elaboração do Plano, não temos sequer um Comitê para a discussão inicial.

Sabemos, ministro, das diversas demandas e da complexidade da gestão da saúde pública num país de dimensões continentais, há necessidades e urgências em áreas diversas. Porém, a crise no cuidado em demências não pode continuar ficando pra trás, invisível. Nesse contexto, enquanto médico geriatra e militante, liderei a elaboração de um projeto para o Plano Nacional de Demências, assim como fiz aqui no Rio Grande do Sul em 2023.

Utilizando as informações do ReNaDe, mapeando iniciativas positivas ao redor do país, em especial o Plano de Cuidado Integral em Demências do RS (PECID) e Linha de Cuidado do Ceará, e os recursos e instrumentos que o SUS já disponibiliza, consegui, junto com a Dra. Elaine Mateus – presidente da FEBRAZ –, chegar a um texto com propostas iniciais exequíveis, eficientes e com custo de implementação ZERO ou MUITO BAIXO.

Implementá-las ainda em 2025 e ao longo de 2026 seria um primeiro e importante passo rumo a uma etapa posterior, quando uma nova fase do Plano para 2027-2030 poderá ser elaborada com metodologias diferentes e, principalmente, com orçamento específico.

Em 2024, foi criada a Coalizão Nacional pelas Demências (CoNaDe), que reúne entidades como a FEBRAZ, ABRAz, representantes da ABN, SBGG e lideranças de todo o país. Esse grupo plural reforça a união da sociedade civil e seu enorme interesse em contribuir com o Ministério da Saúde para a elaboração do Plano Nacional de Demências.

O país, ministro, conta com excelentes pesquisadores na área da neurologia cognitiva, alguns de destaque internacional. Recursos humanos para iniciarmos as discussões não nos faltam e poderemos desenvolver um modelo inicial muito colaborativo entre o Ministério e a sociedade civil.

Há, portanto, um caminho. E há pessoas dispostas a caminhar juntas.

Estimado ministro, sei da sua preocupação com as pessoas idosas e com a causa das demências; o senhor foi o relator do PL que originou a Lei de Alzheimer na Câmara dos Deputados em 2022, na ocasião participamos de uma audiência pública, e nos ajudou muito para que o texto fosse sancionado na íntegra. Por isso, peço-lhe uma atenção especial e, o mais importante, que receba nossa proposta e convoque um Grupo de Trabalho inicial para tirar a Lei do papel.

O tempo para começarmos é agora – digo isso porque em 2026 teremos um conturbado processo eleitoral. Caso não façamos nada nos próximos meses, colocaremos a efetivação da Lei em risco. Aliás, ministro, ao não desenvolver uma política organizada para o cuidado em Alzheimer e outas demências, o SUS será desafiado por um iminente processo de judicialização brutal devido às novas terapias modificadoras da doença e novos exames.

A revolução no diagnóstico e no tratamento das demências parece ter começado. Recentemente, a ANVISA aprovou um anticorpo monoclonal amiloide para tratamento da doença de Alzheimer. A pressão sobre o SUS virá e o pegará despreparado; garantir a equidade será difícil. Lamento o realismo, porém o cenário dificilmente será diferente caso permaneçamos parados ou muito lentos para implementar a Lei 14.878/24.

Há, ministro e colega, uma caminhada necessária e urgente para percorrermos. Uma caminhada para reduzir sofrimento, prevenir novos casos e cuidar melhor. E, para que ela comece, dependemos exclusivamente do primeiro passo do senhor.

Saudações, do colega,

Leandro Minozzo – médico geriatra e professor universitário, idealizador da Lei 14.878/24, membro da Coalizão Nacional pelas Demências (CoNaDe).

Leandro Minozzo

Médico geriatra associado da SBGG, Prof. de Geriatria da Univ. FEEVALE. Mestre em Educação. Pós-MBA em Liderança. Doutorando em Gerontologia Biomédica. Autor de livros sobre longevidade e Alzheimer. Advocacy em demências. É um dos coordenadores da Conade (Coalizão Nacional em Demências). Idealizador do Plano Estadual de Cuidado Integral de Demências (PECID) do RS.