Por Christina Mattos
O mundo não está preparado para enfrentar a crescente crise da demência. É o que revela a oitava edição do relatório Do Plano ao Impacto, divulgado nesta semana, pela Alzheimer’s Disease International (ADI), durante evento paralelo à 78ª Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra. Segundo o documento, o avanço na implementação do Plano Global de Ação em Saúde Pública para a Demência, aprovado pela OMS em 2017, está muito aquém das metas. Apenas 45 dos 194 países membros possuem estratégias nacionais — nove deles nas Américas —, longe dos 75% previstos até 2025.
Para a ADI, pandemias, crises humanitárias, instabilidade econômica e a falta de vontade política estão entre os principais obstáculos que frearam os avanços no enfrentamento da doença, hoje a sétima maior causa de morte no mundo. O relatório acende um sinal de alerta. Se nada for feito, o número de pessoas vivendo com demência poderá saltar para 139 milhões até 2050.
Brasil, América Latina e Caribe: avanços tímidos, desafios imensos
Embora tenha um plano nacional de demência formalmente aprovado, o Brasil está classificado no estágio 4B, segundo o relatório da Alzheimer’s Disease International. Isso significa que o país não conta com financiamento adequado e enfrenta barreiras significativas de articulação com o governo, o que compromete a implementação efetiva das ações. O próprio relatório aponta que o avanço depende, sobretudo, da atuação do Legislativo e da mobilização da sociedade civil, uma vez que o Poder Executivo não tem demonstrado a liderança necessária para colocar o plano em prática.
“O relatório destaca um passo importante que o Brasil deu em 2024, quando aprovou a Política de Cuidado Integral em Demências. No entanto, um ano depois desse avanço, o país segue sem um plano nacional implementado, com orçamento, governança e garantias efetivas de acesso ao diagnóstico em tempo oportuno, tratamento adequado, incluindo terapias não farmacológicas, e suporte ao cuidado de longo prazo”, afirma a presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), Elaine Mateus,
Na América Latina e no Caribe, nove países adotaram planos nacionais de demência: Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, Curaçao, República Dominicana, México e Porto Rico, além do território de Bonaire. Outros seis países — Argentina, Panamá, Peru, Suriname, Trinidad e Tobago e Uruguai — estão em fase de elaboração, incorporando a demência dentro de políticas de saúde mais amplas.
O México se destaca na região pela consolidação de sua política de enfrentamento à demência, de acordo com o relatório, o país atualizou, em 2024, seu plano nacional de demência, alinhado às recomendações da OMS e da ADI. A estratégia mexicana se estrutura em quatro pilares principais: rastreamento na atenção primária, desenvolvimento de serviços de cuidados de longo prazo, fortalecimento da pesquisa e ações de combate ao estigma.
O relatório destaca, ainda, a adoção do programa global Dementia Friends (Amigos da Demência), que já promoveu a conscientização para mais de 13 mil pessoas, sendo 32% profissionais de saúde. O México também desenvolve campanhas públicas, oficinas, caminhadas da memória, ações comunitárias e articula pesquisadores, profissionais de saúde, sociedade civil e governo na construção de uma resposta intersetorial e baseada em evidências para enfrentar o crescimento dos casos de demência no país.
Diagnóstico, prevenção e inovação: o que está funcionando
O relatório aponta avanços na busca por diagnóstico em tempo oportuno — como o desenvolvimento de biomarcadores sanguíneos — e nas primeiras terapias capazes de modificar o curso da doença.
Também reforça que até 45% dos casos de demência no mundo podem ser prevenidos ou ter sua progressão retardada se houver controle efetivo de fatores de risco, como hipertensão, diabetes, sedentarismo e baixa escolaridade. “Na América Latina, os fatores de risco modificáveis representam uma estimativa de 54% dos casos de demência, e chegam a 62% no Chile, o que destaca tanto o desafio quanto a oportunidade para intervenções na região”, destaca a ADI.
Na prática, isso significa que há uma janela de oportunidade ainda maior na região para prevenir ou retardar o avanço da doença, desde que haja políticas públicas eficazes voltadas para educação, promoção da saúde, controle de doenças crônicas e redução das desigualdades sociais.
O futuro está em jogo
Diante do término do prazo original do Plano Global em 2025, a Alzheimer’s Disease International (ADI) recomenda sua extensão até 2031. A proposta tem como objetivo não apenas dar continuidade às ações, mas também acelerar os avanços que ficaram aquém das metas.
As recomendações principais são:
Financiamento sustentável e governança eficaz, com a criação de comitês interministeriais e orçamentos específicos e protegidos, que garantam a implementação contínua das políticas de demência.
Participação significativa de pessoas que vivem com demência e seus cuidadores em todas as etapas do desenvolvimento, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, alinhando-se ao princípio de “Nada sobre nós sem nós”.
Fortalecimento dos sistemas de informação, com a criação ou aprimoramento de bancos de dados nacionais robustos, capazes de monitorar diagnósticos, acesso a tratamentos, prestação de cuidados e indicadores de impacto.
Ampliação das ações de conscientização e suporte social, com campanhas públicas permanentes para combater o estigma, promover ambientes inclusivos e apoiar os cuidadores, tanto familiares quanto profissionais, que são parte fundamental da rede de cuidados.
A decisão sobre a prorrogação do Plano Global será tomada nos próximos dias, durante votação na Assembleia Mundial da Saúde. O resultado definirá se o mundo terá condições políticas e recursos para enfrentar uma das maiores crises de saúde pública das próximas décadas.
O relatório completo está disponível em inglês: Do Plano ao Impacto VIII