Por que dizer “parceira de cuidado” e não “cuidadora”?

Federação Brasileira das Associações de Alzheimer

Quando falamos em demência, o foco costuma recair sobre as dificuldades de quem recebe o diagnóstico. Mas quem cuida, muitas vezes sozinha (o) — também enfrenta desafios profundos.

Segundo o Relatório Nacional sobre as Demências (Renade), no Brasil, 86% das pessoas que cuidam de um familiar com demência são mulheres. Em geral, não se trata de uma escolha. O cuidado chega como imposição da estrutura familiar, da ausência de políticas públicas, da desigualdade. É a filha que interrompe a carreira. A nora que adia os planos. A irmã que acumula funções. Pessoas que cuidam com muito amor, mas que também podem se exaurir sem ajuda.

Ainda segundo o levantamento, o cuidado exige, em média, uma dedicação de 10 horas e 12 minutos por dia. A maioria dos familiares cuidadores declara que não conhece a doença e não se sente preparada para oferecer um cuidado adequado. Eles enfrentam a jornada sem remuneração e, em muitos casos, sem qualquer rede de apoio.

É por isso que, na Febraz, preferimos usar a expressão “parceira ou parceiro de cuidado”. Porque não se trata apenas de uma função, mas de uma relação complexa, quase sempre solitária e invisível, que merece ser reconhecida e valorizada. A escolha por esse termo está em plena sintonia com os princípios internacionais de linguagem positiva:

  • – Coloca o cuidado como uma relação, e não como uma função técnica.
  • – Reconhece o peso estrutural e desigual desse papel, especialmente sobre as mulheres.
  • Cria espaço para políticas públicas que valorizem esse trabalho invisível e não remunerado.

Além disso, a distinção é importante porque diferencia a parceira de cuidado – geralmente um familiar – da profissional de cuidados. Ambas realizam um trabalho fundamental, mas com naturezas e condições muito distintas. Enquanto uma está inserida no contexto familiar e afetivo, muitas vezes sem preparo ou escolha, a outra atua com formação, remuneração e limites bem definidos.

O Renade aponta ainda que as famílias arcam com 73% dos custos totais da demência e que essa sobrecarga vai muito além do aspecto financeiro:

  • – 71,4% das pessoas que cuidam de familiares com demência relatam problemas emocionais e necessidade de apoio psicossocial.
  • – Cerca de 45% desenvolvem sintomas compatíveis com transtornos psiquiátricos.

É um esgotamento que poderia ser amenizado com mais apoio, mais tempo para si. Por isso, defendemos que quem cuida tenha direito a compensações formais, como a contagem do tempo de cuidado para aposentadoria, além de acesso a serviços públicos e comunitários que ofereçam suporte real, afeto e alívio.

Chamar de “parceira ou parceiro de cuidado” é um posicionamento em defesa dessas pessoas que exercem o papel do cuidado.
É afirmar que cuidar é um trabalho.
É dizer que esse trabalho tem valor — e que quem cuida também precisa ser cuidado.