Por Christina Mattos
Em 22 de abril de 2025, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro do Kinsula (Donanemabe), fabricado pelo laboratório Eli Lilly, marcando a chegada do primeiro tratamento antiamiloide ao Brasil. O medicamento é indicado para pessoas com doença de Alzheimer em estágio inicial e faz parte de uma nova geração de terapias com anticorpos monoclonais que atuam sobre a proteína Beta-amiloide, que provoca lesões nos neurônios e está ligada ao desenvolvimento da doença.
Embora o Donanemabe seja o primeiro aprovado no país, ele integra um grupo de medicamentos que já vem sendo estudado e utilizado em outros países, como o Aducanumabe e o Lecanemabe, ambos com autorizações recentes nos Estados Unidos, Europa e Japão.
Para entender o que essa nova classe de tratamentos representa — seus benefícios, riscos, custos e limitações — a Febraz ouviu o neurologista Dr. Fábio Porto. Na entrevista, ele comenta não só a chegada do Donanemabe ao Brasil, mas também os avanços e os desafios do uso clínico desses medicamentos.
Confira a entrevista completa a seguir.
Como funcionam os novos medicamentos antiamiloides?
Dr. Fábio Porto – As medicações antiamiloides são drogas novas, um avanço, uma nova descoberta, mas com benefícios modestos. Por que modestos? Porque elas se ligam à proteína amiloide, uma das que se acumulam no cérebro. Esse acúmulo ocorre décadas antes do início do declínio cognitivo — talvez 20 anos antes. O que a amiloide faz é acelerar a deposição da proteína TAU. É a TAU, que forma os emaranhados neurofibrilares, que realmente lesiona os neurônios.
Essas medicações foram estudadas em pacientes que já apresentam lesões — ou seja, nas fases de comprometimento cognitivo leve e demência leve por Alzheimer. Quando o dano já está instalado, remover a amiloide apenas desacelera a progressão. Os pacientes continuam a piorar, mas mais lentamente.
Qual o tamanho desse efeito? Em média, uma desaceleração de 20% a 30% em um período de um ano e meio, comparado a quem não utilizou a medicação. Ou seja, o efeito dessas drogas é tornar a piora mais lenta. Não estamos falando de melhora ou estabilização — estamos falando de piorar menos.
Para qual fase da doença essas medicações são indicadas?
Dr. Fábio Porto – Doença de Alzheimer inicial. Entenda-se: comprometimento cognitivo leve por doença de Alzheimer e demência leve por doença de Alzheimer.
Comprometimento cognitivo leve é quando você tem um déficit subjetivo, em geral na memória, mas que atrapalha pouco a funcionalidade. Já demência leve é quando a funcionalidade está alterada para tarefas complexas — lidar com finanças, trabalhar, organizar um jantar, uma viagem, esse tipo de coisa.
Todas as drogas antiamiloides só funcionam na fase inicial. Todo uso além disso — em demência moderada ou em sujeitos assintomáticos — está fora dos estudos e não tem comprovação científica.
Quais são os principais efeitos colaterais?
Dr. Fábio Porto – A medicação é um anticorpo que se liga à proteína amiloide, promovendo uma reação inflamatória nas células de defesa do cérebro, chamadas células da glia. Isso faz com que o amiloide seja “limpo”. Eu uso uma analogia: é como colocar fogo no pasto para limpar, mas ao lado do pasto tem uma floresta. A intenção é queimar só o pasto, mas às vezes o fogo passa para a floresta. Essa “inflamação fora de controle” é o efeito colateral mais comum.
Chamamos isso de ARIA — anormalidades de imagem relacionadas ao amiloide — e pode se manifestar como edema cerebral, efusão ou micro hemorragias. Na maioria dos casos é assintomático, mas pode causar sintomas e, em casos raros, até óbito. Por isso o acompanhamento por ressonância magnética é essencial durante o tratamento.
O gene ApoE ε4 interfere no risco de efeitos colaterais?
Dr. Fábio Porto – Sim. O gene ApoE tem três alelos: ε2, ε3 e ε4. Quem tem um ou dois alelos ε4 apresenta maior risco de inflamação ou micro hemorragia. Em indivíduos com duas cópias do ε4 (homozigotos), esse risco pode chegar perto de 50%.
Por esse motivo, seguindo a recomendação da agência europeia, o Brasil também não aprovou o uso do Donanemabe para homozigotos ApoE ε4. O risco de complicações nesses casos supera o benefício. Concordo com essa decisão.
Os benefícios compensam os riscos e os custos elevados?
Dr. Fábio Porto – Essa é uma decisão muito individual. Para algumas pessoas, piorar 22% menos em um ano e meio é um grande ganho. Para outras, não vale o risco nem o custo.
O que eu faço é uma decisão compartilhada: explico que o remédio não melhora, nem estabiliza — apenas piora menos. Mostro os dados, os riscos, os custos, que hoje estão entre R$ 30 mil e R$ 35 mil por mês. É um custo altíssimo, acessível a uma minoria da população.
Ainda assim, é um efeito modesto, mas não irrelevante. E se esse efeito modesto se mantiver ao longo dos anos, pode se tornar significativo.
O que significa a aprovação do Donanemabe pela Anvisa?
Dr. Fábio Porto – A Anvisa aprovou o Donanemabe para pacientes com doença de Alzheimer leve — comprometimento cognitivo leve e demência leve — que sejam ou não portadores heterozigotos de ApoE ε4. Não foi aprovado para homozigotos, nem para doença moderada ou pessoas assintomáticas.
Acho que é um avanço. Vai ser difícil de aplicar para muitos brasileiros, a não ser que haja mudanças significativas de acesso e financiamento. Mas vejo como um sinal positivo, um impulso para melhorias futuras.
Qual tem sido sua experiência com esses medicamentos no consultório?
Dr. Fábio Porto – Tenho poucos pacientes em uso — apenas três. Um deles usou o Aducanumabe, que já foi descontinuado. Nenhum teve efeitos colaterais graves. Um deles apresentou reação de infusão leve, semelhante a uma alergia leve.
Como os medicamentos ainda não estavam disponíveis no Brasil, esses pacientes estavam importando. Isso precisa ser ressaltado. E, com o custo atual (em torno de R$ 30 a 35 mil por mês), o uso ainda é restrito a quem pode arcar.
Isso restringe o acesso à medicação a uma parcela muito pequena da população. Agora que há aprovação no Brasil, é preciso acompanhar como será a política de acesso.
O que o senhor diz aos pacientes que chegam com grandes expectativas?
Dr. Fábio Porto – As pessoas precisam entender que essas medicações apenas alentecem a progressão. Em português claro: elas fazem a doença piorar menos. Não melhoram, não param o avanço. Só retardam a piora.
Muita gente busca uma cura, uma solução mágica, e se frustra. É importante alinhar expectativas desde o início, para que pacientes e famílias não se sintam enganados mais adiante.
Mesmo com efeito modesto, representa um ganho real?
Dr. Fábio Porto – Sim. Piorar menos pode representar um ganho significativo a longo prazo. Pode significar mais tempo com qualidade de vida, mais autonomia, mais tempo com lucidez para conviver com a família. É pouco, é menos do que gostaríamos, mas não é irrelevante.
E, no fim, o que é considerado relevante é uma decisão muito pessoal. Cada paciente e sua família devem decidir o que vale a pena, com base em informações claras e honestas.

Fábio Porto é Médico Neurologista com especialização em Neurologia Cognitiva e do Comportamento e presidente da ABRAz Regional São Paulo.