A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta segunda-feira (22) o registro do medicamento Kisunla (donanemabe) para o tratamento de Alzheimer em estágios iniciais. O remédio será indicado para pacientes adultos com comprometimento cognitivo leve ou demência leve associados à Doença de Alzheimer.
A aprovação do donanemabe foi recebida com entusiasmo pela Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), que havia encaminhado seu posicionamento técnico oficial em defesa da liberação do medicamento no país. O documento foi elaborado por sua Comissão Científica com base nas evidências disponíveis e enviado à Anvisa como contribuição institucional ao processo regulatório.
“Trata-se de uma nova opção terapêutica que pode retardar a progressão da doença nos estágios iniciais, oferecendo mais tempo de autonomia às pessoas com diagnóstico precoce”, destaca o posicionamento da Febraz.
O medicamento foi desenvolvido pela empresa Eli Lilly e é administrado por infusão intravenosa. Age reduzindo as placas de beta-amiloide no cérebro, um dos principais marcadores da Doença de Alzheimer. A aprovação no Brasil foi baseada nos resultados do estudo clínico TRAILBLAZER-ALZ 2, que envolveu 1.736 pacientes e demonstrou menor progressão clínica da doença em comparação ao placebo.
“Essa era uma notícia há muito tempo esperada pela comunidade. Inauguramos hoje no Brasil uma nova fase na área da demência. Há ainda desafios a serem superados quanto ao acesso e efeitos adversos, mas é necessário abrir as portas para um futuro melhor em que o direito a novos tratamentos seja uma realidade”, afirma Elaine Mateus, presidente da Febraz.
Contraindicações
O donanemabe não é indicado para todos os pacientes. O uso do medicamento é contraindicado para pessoas que utilizam anticoagulantes (como varfarina) ou que tenham diagnóstico de angiopatia amiloide cerebral (AAC), detectada por ressonância magnética. Nesses casos, os riscos superam os possíveis benefícios.
O tratamento também não deve ser utilizado por pessoas que possuem duas cópias do gene ApoE ε4 (chamadas homozigotas), pois esse grupo apresentou maior incidência de efeitos adversos, como alterações na imagem cerebral.
O que é ApoE ε4?
É um gene associado ao risco de desenvolver Alzheimer. Algumas pessoas têm duas cópias (homozigotas), outras têm uma (heterozigotas) ou nenhuma (não portadoras). O donanemabe é indicado apenas para quem tem uma ou nenhuma cópia, pois esse perfil apresentou melhores resultados e menor risco de efeitos adversos.
Por isso, é essencial realizar exames e passar por avaliação médica especializada antes de iniciar o tratamento. Somente uma equipe de saúde pode determinar se o medicamento é seguro e indicado para cada caso.
Resumo técnico
Nome comercial: Kisunla (donanemabe)
Indicação: Alzheimer leve em adultos não portadores ou heterozigotos para o gene ApoE ε4
Mecanismo de ação: Reduz placas beta-amiloide no cérebro
Esquema de dose: 700 mg (3 primeiras aplicações mensais) + 1400 mg a cada 4 semanas (até 18 meses)
Principais reações adversas: dor de cabeça, febre, alterações cerebrais em imagem (ARIA)
Leia o documento com posicionamento da Febraz na íntegra
A Febraz disponibiliza publicamente seu posicionamento técnico completo sobre o donanemabe, com análise científica e recomendações para o uso responsável da medicação no contexto brasileiro.
Posicionamento da FEBRAZ (Federação Brasileira das Associações de Alzheimer) sobre a liberação do Donanemab no Brasil.
O Donanemab é um anticorpo monoclonal desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly que se liga à proteína amiloide depositada no cérebro de indivíduos com doença de Alzheimer, promovendo a remoção das placas amiloides. Sua administração é endovenosa, com frequência mensal. Os ensaios clínicos TRAILBLAZER (1,2) demonstraram que o medicamento reduz significativamente a velocidade de progressão do declínio cognitivo e funcional ao longo de 18 meses de tratamento, em comparação com placebo. Esses benefícios foram observados em pacientes com doença de Alzheimer em estágio inicial, incluindo aqueles com comprometimento cognitivo leve (CCL) ou demência leve. O diagnóstico da doença de Alzheimer, nos estudos mencionados, foi estabelecido com base em critérios clínicos e biológicos. Esses critérios incluíram pontuação no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) entre 20 e 28, bem como presença de patologia amiloide e patologia tau, conforme as diretrizes do grupo de trabalho da Alzheimer’s Association (3–5). As medidas de desfecho clínico utilizadas nos estudos incluíram a Escala Integrada para Doença de Alzheimer (iADRS), o MEEM, a ADAS-Cog, a ADCS-iADL e a Escala Clínica de Demência (CDR), tanto na forma de soma das caixas quanto global. Todas são ferramentas validadas e amplamente utilizadas para mensuração do curso cognitivo e funcional da doença (1,6–9). O Donanemab apresentou benefícios estatisticamente significativos em todas as escalas clínicas aplicadas. O efeito foi mais expressivo em pacientes com níveis leves a moderados de patologia tau, conforme determinado por PET cerebral (1). A diferença média nas pontuações entre os grupos Donanemab e placebo representa uma preservação cognitiva e funcional clinicamente relevante (1,6–9). Do ponto de vista biológico, os exames seriados de tomografia por emissão de prótons (PET) com marcadores para amiloide (fluorbetapir ou flúorbetabeno) demonstraram uma redução significativa nos níveis de depósito amiloide. A eliminação completa das placas amiloides foi observada em 30% dos pacientes após 6 meses, 66% após 12 meses e 76% após 18 meses de tratamento. Após a confirmação da remoção completa, o tratamento foi interrompido, sem posterior reacúmulo significativo de amiloide em até 18 meses (1). Dados combinados dos estudos de fase II e III do Donanemab indicam baixa taxa de reacúmulo em até 8 anos (1,2,10). O grupo que interrompeu o uso após eliminação completa manteve a mesma trajetória de preservação cognitiva e funcional observada antes da suspensão do medicamento. Além disso, foi observada redução dos níveis plasmáticos da proteína tau fosforilada (1). Os efeitos adversos mais relevantes foram as anormalidades de imagem relacionadas ao amiloide (ARIA) e reações infusionais. As ARIA incluem edema cerebral (ARIA-E), com incidência de 24% no grupo tratado versus 1,9% no grupo placebo, e microhemorragias ou hemosiderose (ARIA-H), com 19,7% versus 7,4%, respectivamente. A maioria dos casos foi assintomática. Indivíduos homozigotos para o alelo E4 da Apolipoproteína E (APOE) e aqueles com alterações vasculares cerebrais pré-existentes apresentaram maior risco de ARIA (1). A titulação modificada de dose, conforme demonstrado no estudo TRAILBLAZER-6, reduziu a incidência desses eventos adversos (11). Reações infusionais ocorreram em 8,7% dos pacientes tratados, comparado a 0,5% no grupo placebo (1). Considerando que: 1. O Donanemab demonstrou eficácia clinicamente relevante na preservação cognitiva e funcional; 2. Houve redução comprovada das patologias amiloide e tau, componentes centrais da fisiopatologia da doença de Alzheimer; 3. Sua indicação se restringe a pacientes com doença de Alzheimer em estágio inicial (CCL ou demência leve) e com biomarcadores positivos para amiloide e tau; 4. Não existem outros tratamentos modificadores da fisiopatologia da doença de Alzheimer aprovados no Brasil; 5. Não há outras intervenções com eficácia clínica robusta para o estágio de CCL da doença de Alzheimer; 6. Os efeitos adversos, embora significativos, podem ser controlados com adequada seleção de pacientes e monitoramento; 7. Países como Estados Unidos, Reino Unido e Japão já aprovaram o uso e comercialização do Donanemab; A FEBRAZ posiciona-se favoravelmente à aprovação do Donanemab no Brasil, desde que o uso esteja restrito aos pacientes que preencham critérios clínicos e biológicos específicos e que não apresentem contraindicações relevantes, especialmente risco elevado de ARIA, conforme diretrizes da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) (12). A FEBRAZ reforça a necessidade de monitoramento rigoroso por meio de ressonância magnética craniana, devido ao risco de ARIA, conforme as orientações da ABN (12). Recomenda-se também a realização periódica de PET amiloide, inicialmente e a cada 6 a 12 meses, para avaliar a eliminação completa das placas amiloides e determinar o momento adequado para a interrupção do tratamento. Ressalta-se que a prescrição e acompanhamento do uso do Donanemab devem ser realizados exclusivamente por médicos especialistas. Recomenda-se o desenvolvimento de centros de referência devidamente estruturados para administração da medicação, bem como monitoramento e manejo de efeitos adversos, principalmente ARIA e reações infusionais. É preciso garantir o acesso a exames de biomarcadores de amiloide e tau, necessários para a indicação e o acompanhamento do tratamento. É necessário capacitar médicos radiologistas para identificarem e informarem adequadamente as ARIA. Médicos emergencistas também devem ser capacitados para o reconhecimento e o manejo de ARIA sintomática, além de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral nos pacientes em uso de donanemab — situações em que a trombólise química pode aumentar o risco de sangramento cerebral, devido à maior vulnerabilidade associada ao uso do medicamento (1). O Donanemab representa um avanço importante no tratamento da doença de Alzheimer em seus estágios iniciais, demonstrando eficácia clínica e biológica comprovada. Embora os efeitos adversos exijam atenção, sua segurança pode ser manejada com protocolos adequados.
A FEBRAZ apoia sua aprovação no Brasil, desde que vinculada a critérios rigorosos de elegibilidade, monitoramento e infraestrutura de cuidado. Essa medida poderá beneficiar pacientes elegíveis ao oferecer um tratamento modificador da doença, algo até então inexistente no país, e representa um passo promissor no enfrentamento da doença de Alzheimer.
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