Com 14.000 participantes, incluindo pesquisadores, médicos, profissionais de saúde, estudantes e representantes de organizações de pacientes, reunidos presencialmente e online em Filadélfia, nos EUA, para a Conferência Internacional das Associações de Alzheimer 2024, ficou claro que estamos em um momento de virada na história da Doença de Alzheimer (DA). O encontro realizado entre 28 de julho e 1º de agosto, destacou avanços que têm o potencial de transformar profundamente a abordagem do diagnóstico, tratamento e prevenção da doença de Alzheimer.
As inovações discutidas, como novos biomarcadores e tratamentos, vão além de melhorias graduais. Elas sinalizam mudanças que podem redefinir a prática médica e, em última instância, a vida dos pacientes. Compartilho alguns dos pontos principais das discussões que acompanhei, reconhecendo que o maior desafio é transformar esses avanços científicos em práticas acessíveis para todos.
Biomarcadores e diagnóstico mais preciso
Um dos grandes destaques do congresso foi o avanço nos biomarcadores sanguíneos, que prometem facilitar o diagnóstico da DA de maneira mais rápida e menos invasiva. Atualmente, o diagnóstico de Alzheimer muitas vezes requer exames invasivos, como a análise do líquor, obtido por punção lombar, para medir proteínas relacionadas à doença. No entanto, a dosagem da proteína pTAU217 no sangue demonstrou uma precisão superior a 90%, comparável à desses exames mais invasivos. Em estudos comparativos, enquanto o diagnóstico clínico realizado por especialistas teve uma precisão de 70%, a combinação com biomarcadores plasmáticos elevou essa precisão, reduzindo o risco de diagnósticos incorretos. Isso é especialmente importante para diferenciar Alzheimer de outras condições, como a Demência LATE, que frequentemente é confundida com Alzheimer. Além disso, métodos como o PET-FDG estão sendo desenvolvidos para ajudar a distinguir entre essas doenças, identificando atrofia e hipometabolismo específicos na Demência LATE. Na prática, isso significa que os pacientes poderão receber diagnósticos mais precisos e menos invasivos, permitindo o início mais rápido do tratamento adequado.
Tratamentos com anticorpos monoclonais
No campo dos tratamentos, os anticorpos monoclonais (proteínas criadas em laboratório para ajudar o corpo a combater o Alzheimer) continuam a apresentar resultados promissores. Tanto o Lecanemab (Lequembi) quanto o Donanemab (Kisunla) estão aprovados pelo FDA para o tratamento da doença de Alzheimer nos Estados Unidos. Estudos recentes indicam que o Donanemab, administrado mensalmente, pode ter seu uso interrompido após um ano se as placas amiloides forem eliminadas do cérebro. O Lecanemab, que é administrado duas vezes ao mês, também mostrou uma redução significativa das placas, e estudos sugerem que após 18 a 24 meses, a dosagem pode ser reduzida para uma vez ao mês.
A Roche também apresentou um novo estudo do Trontinemab, que combina o gantenerumab com um receptor que facilita a entrada do anticorpo através da barreira hematoencefálica. Com isso, a dose necessária do anticorpo é significativamente menor, atingindo bons resultados em apenas 12 semanas, com efeitos colaterais mínimos. A pesquisa está na Fase 2, etapa intermediária do estudo, onde os cientistas testam um novo tratamento em um grupo maior de pessoas para verificar se ele funciona e se é seguro.
Medicamento para diabetes são testados como tratamento em Alzheimer
Outro ponto relevante discutido foi um estudo sobre o uso da liraglutida, um medicamento já utilizado para diabetes, em pacientes com Alzheimer em fase leve a moderada. A pesquisa, realizada em centros no Reino Unido, mostrou que o tratamento reduziu em 50% a atrofia (ou encolhimento) do lobo temporal, uma área do cérebro crucial para a memória, e desacelerou em 18% o declínio cognitivo dos pacientes ao longo de um ano. O estudo está na fase em que os pesquisadores avaliam com mais detalhes a dosagem e a eficácia do tratamento, para ver qual dose funciona melhor e é mais segura para os pacientes. Em termos práticos, os resultados até agora sugerem que a liraglutida pode ajudar a preservar a função cerebral e retardar a progressão dos sintomas de Alzheimer, oferecendo uma nova esperança de tratamento para quem enfrenta a doença.
A busca por medicamentos mais eficazes no controle da agitação
Durante o congresso, também discutimos formas de tratar a agitação em pessoas com Doença de Alzheimer (DA). Foi realizado um estudo com o medicamento escitalopram, mas ele não mostrou resultados melhores do que um placebo (uma substância sem efeito terapêutico). Por outro lado, um outro medicamento chamado brexpiprazol foi estudado por um período mais longo (24 semanas), e os resultados foram positivos, sem aumento nos riscos de vida dos pacientes. Também foi apresentado um novo medicamento, o AXS-05, que combina diferentes substâncias e demonstrou ser eficaz na redução da agitação em pessoas com Alzheimer.
Prevenção: O que podemos fazer para prevenir as demências
É importante destacar que existem fatores de risco para demência que podemos controlar, o que oferece uma oportunidade real de prevenir ou retardar o desenvolvimento da Doença de Alzheimer. Recentemente, a Comissão de Neurologia da Lancet atualizou a lista desses fatores, incluindo agora o controle dos níveis de colesterol LDL desde a idade adulta e o cuidado com a saúde visual em pessoas idosas.
Além disso, a vacinação contra o herpes zoster pode desempenhar um papel importante na redução do risco de demência, uma vez que há evidências de que o vírus da varicela zoster pode contribuir para o acúmulo de placas amiloides no cérebro. Manter-se atualizado com essa vacina é uma medida simples que pode ter um impacto significativo na prevenção.
Outros hábitos do dia a dia também podem fazer a diferença. Por exemplo, falar mais de um idioma ao longo da vida pode ajudar a proteger o cérebro contra a demência. O sono também é um fator crucial: a insônia e o trabalho noturno na juventude estão associados a uma redução do volume cerebral na velhice, o que aumenta o risco de demência. Essas descobertas reforçam a importância de adotar hábitos saudáveis desde cedo, que podem ter efeitos duradouros na saúde do cérebro.
Dra. Lindsey Nakakogue é médica formada pela Universidade Estadual de Londrina, com residência em Clínica Médica pela Unicamp e especialização em Geriatria pela USP-SP. Atuou por 10 anos como responsável pelo Ambulatório de Alzheimer na Policlínica Municipal de Londrina, onde dedicou-se ao cuidado de pacientes com demência. Desde 2015, é professora de Medicina na PUC, onde está iniciando um Ambulatório Acadêmico de Demências em parceria com a Prefeitura de Londrina. Possui mestrado em Ciências da Saúde pela PUC-PR e está concluindo o doutorado em Saúde Coletiva pela UEL, com todas as suas pesquisas focadas em pacientes com Doença de Alzheimer.